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Fiocruz anuncia descoberta de possível transmissão do zika por saliva

5 fev 2016 - 14h00
(atualizado às 16h42)
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Vírus em modo ativo foi identificado em amostras por instituto brasileiro
Vírus em modo ativo foi identificado em amostras por instituto brasileiro
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou nesta sexta-feira, por meio de um comunicado, ter constatado a presença do zika vírus em estado ativo em amostras de saliva e de urina.

O resultado de um estudo de pesquisadores da instituição levanta a possibilidade de transmissão do zika também ocorrer por meio de beijos e outras vias alternativas à picada do mosquito Aedes aegypti, em especial porque o vírus foi encontrado nessas amostras em modo ativo – ou seja, com potencial de provocar infecção.

Segundo a Fiocruz, é a primeira vez que o zika é identificado em amostras deste tipo com potencial de infecção.

Na nota oficial, a Fiocruz ressaltou a necessidade de mais pesquisas para investigar a possibilidade de infecção. Horas mais tarde, em uma entrevista coletiva, o presidente da fundação, Paulo Gadelha, recomendou que, enquanto não haja comprovação, mulheres grávidas reforcem os cuidados, evitando o compartilhamento de talheres e copos, por exemplo.

A instituição não fez nenhuma recomendação para que as pessoas evitem a troca de fluidos.

Liderados pela pesquisadora Myrna Bonaldo, os estudos analisaram amostras referentes a dois pacientes. Os cientistas colocaram o material em contato com outras células e observaram um efeito de “destruição ou danificação das células”, o que comprovaria a atividade viral.

A Fiocruz, porém, enfatiza que é preciso aguardar os próximos passos da pesquisa.

"O fato de haver um vírus ativo com capacidade de infecção na urina e na saliva não é uma comprovação ainda. E nem significa que necessariamente o será ou que há possibilidade de infecção de outras pessoas de maneira sistêmica através desses fluidos", disse o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha.

O professor Jonathan Ball, virologista da Universidade de Nottingham, vai na mesma linha. "O fato de detectarmos o vírus em um fluido corporal não significa que ele vai se tornar uma fonte importante de transmissão do vírus a humanos", disse à BBC.

"No auge da replicação do vírus no sangue, ele comumente é detectado em outros fluidos corporais, mas os níveis de vírus costumam ser muito mais baixos e não há meios óbvios ou eficientes de ele passar desse fluido para o sangue de outra pessoa. É por isso que o zika vírus ‘sequestra’ o mosquito (Aedes aegypti, seu vetor), e não vejo qualquer evidência de que vá mudar em algum momento."

Grávidas devem aumentar cuidados, afirma a Fiocruz
Grávidas devem aumentar cuidados, afirma a Fiocruz
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Entre os cuidados recomendados pela Fiocruz a gestantes também está evitar grandes aglomerações. Gadelha frisou ainda a importância de que a prevenção também envolva pessoas que convivam com elas e tenham sintomas de zika.

O presidente da Fiocruz, porém, afirma que as recomendações são para mulheres grávidas e não devem influir na maneira de o restante da população celebrar o Carnaval.

"A evidência de hoje não quer dizer que as pessoas não possam brincar no Carnaval", disse Gadelha. "A precaução maior deve ser tomada naqueles casos onde há uma maior gravidade ou potencial de danos, que são as gestantes."

Ao fim da coletiva, buscou evitar alarmismo. "Beijar, se você tem uma relação que não seja com parceiro fixo, pode aumentar o risco. Agora, não temos isso como uma visão geral de saúde pública, pelo amor de Deus. Pode beijar!"

Vírus pode não resistir a suco gástrico

Virologista da UFRJ, Davis Ferreira afirma que a presença de diversos tipos de vírus em saliva e urina não é rara durante infecções, e já era conhecida entre doentes com o zika vírus. A importância da pesquisa da Fiocruz está em comprovar a presença do vírus em estágio infeccioso, o que era um ponto de dúvida, explica.

"Mas isso não quer dizer que a urina e a saliva sejam um veículo de transmissão do vírus", afirma o pesquisador do instituto de microbiologia da UFRJ.

"A urina costuma ser um veículo de difícil transmissão (de vírus). A saliva é mais importante, mas mesmo que contenha o vírus infeccioso, não sabemos se o zika vírus está adaptado para infectar pela via do suco gástrico, como os vírus entéricos fazem", afirma.

"Pelo que entendemos de virologia, esse não seria um vírus que infectaria com facilidade pela via oral. Mas temos tido muitas surpresas com o zika vírus, como por exemplo a transmissão sexual, que já foi estabelecida. É algo que não tínhamos visto em nenhum outro arbovírus (transmitidos por mosquitos)."

No que diz respeito ao carnaval, porém, ele afirma que isso não deve virar uma nova preocupação para foliões, à exceção de grávidas, a quem considera justificado recomendar cuidados extremos.

"As preocupações para o carnaval são com o mosquito e com a presença de turistas que podem levar o vírus para outras regiões do mundo. Quanto à saliva, a gente pode esperar para o próximo carnaval, a gente já deve ter algumas respostas."

Indícios no Texas

Na semana passada, autoridades nos Estados Unidos anunciaram um potencial caso de transmissão sexual ou por saliva no Estado do Texas. Para a coordenadora do comitê de virologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Nancy Bellei, a prevenção máxima seria necessária.

“Não podemos aguardar um corpo robusto de dados para prevenir as pessoas", disse Bellei.

Em entrevista à BBC, a vice-diretora do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano), Anne Schuchat, disse que “o laboratório do CDC confirmou o primeiro caso de zika vírus em um não viajante. Nós não acreditamos que o contágio tenha ocorrido por meio de picadas de mosquito, mas sim por contato sexual”.

Questionada sobre a confirmação, Schuchat explicou que até o momento não há outras formas plausíveis que possam dar conta da transmissão neste caso, já que uma pessoa esteve na Venezuela, voltou aos EUA, apresentou sintomas de zika, e teve contato sexual com o parceiro.

Essa pessoa foi testada positiva para zika, assim como o parceiro, que não esteve em regiões onde a epidemia está ativa. Além disso, não há infestação do Aedes aegypti (mosquito transmissor do vírus da dengue, zika e chikungunya) na região de Dallas.

“As evidências que nós temos neste momento apontam para isso”, reforçou Schuchat ao ser questionada sobre o contágio sexual.

A vice-diretora do CDC mencionou o caso citado na literatura, que teria documentado em 2011 um cientista americano vindo do Senegal, que passava por um surto de zika, e que teria transmitido a doença para a mulher, nos EUA, que não havia estado em regiões infectadas e não vivia numa cidade com presença do Aedes aegypti.

“Havia este caso citado na literatura anterior, sobre a possibilidade de transmissão sexual, e portanto de certa forma isto não foi surpresa. Nós vamos atualizar nossas orientações logo sobre as consequências deste evento”, diz.

‘Prevenção máxima’

Bellei insiste em maiores cuidados:

“Quando você não tem muita clareza e informação sobre uma epidemia como essa, se reduz a tolerância e se eleva o estágio de alerta e prevenção. Uma vez que já se sabe mais e se tem mais domínio sobre o comportamento do vírus, abaixa-se a guarda. Não o contrário”, avalia.

Embora ainda não haja comprovação científica, acredita-se que no Brasil o zika vírus esteja relacionado aos casos de microcefalia e/ou outras más-formações no sistema nervoso central. Segundo boletim divulgado pelo Ministério da Saúde na terça-feira, já são 404 casos confirmados.

Outros 709 casos suspeitos foram descartados e 3.670 continuam sendo investigados.

Sêmen, saliva e prevenção

Bellei diz que, do ponto de vista microbiológico, a confirmação total desse caso seria possível ao coletar uma amostra de sêmen do viajante que esteve na Venezuela e inocular o vírus.

“Ao identificar o vírus no sêmen desta pessoa, inoculá-lo e demonstrar que ele está viável, ou seja, que se replica e pode ser transmitido, teríamos a total confirmação. Mas os elementos atuais descritos mostram que é muito difícil que o parceiro ou parceira tenha sido contaminado de outra forma, num local sem o mosquito e durante o inverno”, avalia.

Em entrevista à BBC, Robert Lanciotti, pesquisador do CDC que testou as duas amostras do casal do Texas, disse que era cedo para afirmar que houve transmissão sexual neste caso, mas levantou a hipótese do contágio pela saliva.

“Os dados que temos (do Texas) mostram que o vírus está na saliva em concentração maior".

A infectologista da SBI, porém, lembrou que até o momento os cientistas não sabem quanto tempo o vírus fica presente no sêmen, na saliva ou na urina.

“Do ponto de vista da transmissão, saber que o vírus pode ser transmitido pela saliva é muito mais preocupante".

Com reportagem de Julia Carneiro e Luciani Gomes, da BBC Brasil no Rio de Janeiro

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