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A mulher que doa em vida seus orgãos a estranhos

17 jan 2017 - 10h17
(atualizado às 11h44)
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Tracey Jolliffe já doou um rim, 16 óvulos e mais de 45 litros de sangue e pretende deixar seu cérebro para ser estudado pela ciência. Agora, também quer doar parte de seu fígado para alguém que não conhece.

Após doar um rim, Tracey Jolliffe se dedica a incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo
Após doar um rim, Tracey Jolliffe se dedica a incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo
Foto: Tracey Jolliffe

"Se tivesse mais um rim extra, o doaria também", disse ela ao programa Victoria Derbyshire, da BBC.

Tracey é uma "doadora altruísta" - como são chamadas na Grã-Bretanha pessoas dispostas a dar um órgão para salvar a vida de um desconhecido.

Ela é microbióloga e trabalha no NHS, o sistema de saúde público britânico. Seus pais eram enfermeiros, e Tracey passou a vida ouvindo sobre a importância da assistência médica sob um ponto de vista profissional.

Mas ela também está determinada a fazer a diferença a nível pessoal. "Eu me registrei como doadora de sangue e de medula quando tinha 18 anos", conta.

Hoje aos 50 anos, ela continua disposta a doar o que pode.

Em 2012, ela foi uma das menos de cem pessoas no Reino Unido a doar um rim sem saber quem o receberia - e, agora, apoia a organização de caridade Give a Kidney (Doe um Rim, em inglês), que incentiva outros a fazerem o mesmo.

Até 30 de setembro de 2016, 5.126 estavam na fila de espera por um rim no NHS, em que o tempo médio de espera é de três a quatro anos.

No Brasil, o número é quase quatro vezes maior: eram 20 mil pessoas, entre adultos e crianças, até março de 2016, que aguardavam um rim, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.

É de longe o órgão mais requisitado. De todos os pacientes à espera por um transplante de órgãos no Brasil, 58,7% aguardam por um rim - enquanto 4,2% precisam de uma doação de fígado, o segundo mais demandado na lista.

'Processo complexo'

Ao contrário da maioria dos transplantes, a pessoa pode estar viva para doar um rim
Ao contrário da maioria dos transplantes, a pessoa pode estar viva para doar um rim
Foto: Getty Images

Diferentemente da maioria dos transplantes, uma pessoa pode estar viva para doar um rim, porque só precisa de um dos dois existentes para sobreviver.

O rim doado por Tracey provavelmente salvou a vida de uma pessoa. "Eu me lembro disso todo dia quanto acordo", diz ela, orgulhosa.

No entanto, não foi uma decisão impulsiva. Doar um rim é um "processo complexo", diz ela, já que as avaliações das condições do doador levam até três meses para serem feitas.

Isso inclui exames de raio-X, cardíacos e de funcionamento do órgão, por meio de uma série de testes de sangue. "Não é algo que você faz se tem medo de agulhas", ela brinca.

Os riscos associados à doação de rim são baixos se o doador estiver saudável, com uma taxa de mortalidade de uma para cada 3 mil pacientes - o mesmo de remoções de apêndice.

O NHS diz ainda que a maioria dos doadores de rim tem uma expectativa de vida equivalente - ou maior - do que a média geral das pessoas.

Tracey conta ter ficado internada no hospital por cinco dias após a operação e que sua vida "voltou ao normal" após seis semanas.

Segundo a ONG britânica Kidney Research UK, pelo menos 60% das pessoas que recebem um rim podem ter a expectativa de viver em média por mais 15 anos após o transplante.

Além de ter ajudado a salvar vidas - inclusive com os mais 45 litros de sangue que já doou até hoje -, Tracey já doou 16 óvulos, que permitiram a três casais ter filhos.

Tecido cerebral é um recurso vital para pesquisas científicas
Tecido cerebral é um recurso vital para pesquisas científicas
Foto: BBC

Foi fácil tomar essa decisão, diz ela. "Não tenho vontade de ter filhos, então, pensei 'Sou saudável, por que não?'."

Regeneração

Agora, ela espera doar parte de seu fígado - e, de novo, para alguém que não conhece. Ela está ciente dos riscos envolvidos. "O perigo é muito maior do que na doação de rim", afirma.

A taxa de mortalidade de uma doação a partir do lóbulo direito do órgão é de uma morte a cada 200 pessoas e, a partir do lóbulo esquerdo, de uma a cada 500.

Mas muitos doadores têm uma vida longa e saúdavel após o transplante, diante da "incrível capacidade de regeneração" do órgão, esclarece Tracey.

Doar sangue é talvez o gesto mais simples para contribuir para que vidas sejam salvas
Doar sangue é talvez o gesto mais simples para contribuir para que vidas sejam salvas
Foto: Thinkstock

Quase imediatamente após a cirurgia, o restante do fígado do doador começa a crescer, um processo conhecido como hipertrofia e que continua por até oito semanas.

Tracey afirma não ter dúvidas de que continuará a doar enquanto puder e espera fazer isso mesmo após morrer. "Eu me registrei para dar meu cérebro para a ciência médica quando partir", diz ela.

Doações de cérebro são efetivadas até 24 horas após a morte de uma pessoa e contribuem para o estudo de males como, por exemplo, a demência.

Mas quais são as razões de Tracey para doar órgãos - seja um cérebro ou um rim?

"É parte da minha natureza, minha oportunidade de fazer algo de bom."

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